Nos anos 1970 a 1980, no Brasil, não tínhamos a experiência do comando único na saúde.
Se você chegasse em um Município iria encontrar muitos serviços de saúde diferentes e estas eram por várias razões.
Uma delas, era porque os serviços de saúde serviam (e servem) para fazerem coisas distintas; por exemplo, um hospital que interna doentes é diferente de uma equipe de saúde da família. Mas, havia outro tipo de diferença, que não se devia a estes papéis tecnológicos distintos. Era a diferença entre um serviço do governo municipal de um do estadual, ou mesmo de um do governo federal. Isto é, nos municípios, você encontrava centros de saúde, hospitais, prontosocorros,
e vários outros serviços, que pertenciam a comandos separados.
Cada um seguindo um modo de trabalhar e um modelo de atenção diferente.
O Município, por exemplo, mandava no seu centro de saúde, enquanto que o Estado
mandava no seu; e assim por diante.
Como eu disse: não havia comando único.
Havia vários comandos.
Além dessas, também existia uma outra diferença. Você encontraria hospitais ou
laboratórios de exames, ambulatórios, prontosocorros,
entre outros, que não eram dos
governos, mas de donos privados, que podiam até vender serviços de saúde para o governo,
mas o comando era particular, não era nem governamental.
Por último, uma outra diferença que existia era no interior do próprio governo federal.
Alguns serviços eram de um ministério, como um hospital ligado ao Ministério da Saúde, e
outros eram de outro ministério, como um hospital do antigo INPS ou MPAS (Ministério
da Previdência e Assistência Social).
Olhando todas estas diferenças, o que você veria era que o município tinha pouca
importância no comando geral da saúde no seu território. Porém, isso incomodava algumas
pessoas ligadas a área da saúde, porque consideravam que assim os resultados das ações de
saúde não eram muito competentes.
A idéia de que é no município que a saúde e a doença ocorrem, e é ali que se constroem as
principais soluções, era uma idéia que já existia, no Brasil, há muitos anos atrás. Mesmo
que não se impusesse, ainda.
Já nos anos 1960, alguns sanitaristas a defendiam, como, por exemplo, o médico Mario
Magalhães da Silveira. Mas esta noção acabou vingando de um modo mais amplo nos anos
1970, como idéia do movimento da saúde que nasceu, no Brasil, no confronto com a
ditadura militar, na luta democrática.
Os vários participantes, e que agora não eram só alguns sanitaristas, diziam que a
construção de uma sociedade brasileira mais democrática e justa, ocorreria na medida que
se construísse a participação e o controle social dos serviços de saúde nos municípios, junto
com a fabricação do comando único municipal sobre todo o sistema de serviços de saúde
local. Inclusive com controle sobre a qualidade dos serviços privados, mesmo preservando
o comando particular dos seus donos.
Este movimento conquistou, no decorrer dos anos 1980, muitas coisas. E, em 1988, na
época da Constituinte, conseguiu consagrar estas idéias, que viraram princípios da nova
Constituição, a serem perseguidos na construção e implantação do Sistema Único de Saúde.
Mesmo com fortes oposições, estes princípios e diretrizes vêm sendo implantados.
Em alguns lugares de modo mais rápido, em outros de maneira mais lenta.
Vêm sendo perseguidos pelos vários atores sociais comprometidos com estas idéias, que
compuseram aquele movimento desde a ditadura, junto com novos atores que abraçaram a
causa do SUS.
Com o crescimento das experiências a correção destes princípios vem sendo comprovada, e
mais atores sociais vêm participando do movimento.
Construindo e experimentando o comando único e o controle social, nos municípios
A fabricação do SUS, nestes 15 anos, vem sendo uma invenção muito rica da sociedade
brasileira. É uma fabricação com ritmos diferentes nos vários lugares. Porque depende dos
tipos de atores sociais que existem dentro dos municípios e nos vários governos (local,
estadual e federal).
O SUS avançou mais naqueles lugares que tiveram governantes mais ousados e
comprometidos com os interesses de saúde das pessoas, que apostaram na organização
democrática das suas ações e que se organizaram junto com os movimentos sociais e dos
trabalhadores de saúde, dentro de uma visão do controle social.
Nestes lugares avançou também a unificação dos comandos sobre os serviços de saúde.
No começo, os serviços estaduais e federais de alguns municípios, como Belo Horizonte
nos anos 1990, passaram para a gestão da Secretaria Municipal de Saúde, que governava
junto com o Conselho Municipal de Saúde. Hoje, a quantidade de municípios nesta situação
já é muito grande, como, por exemplo, Aracaju, Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo,
Campinas, e muito mais.
Nestes locais, todos os trabalhadores públicos de saúde passaram a seguir o mesmo modelo
de cuidado. Todos os serviços de saúde ficaram subordinados ao mesmo comando e
passaram a prestar contas para os mesmos dirigentes e conselhos.
O que era serviço do Estado (fosse centro de saúde, ou pronto socorro, ou qualquer outro
municipalizado) ou do Governo Federal (fosse também de qualquer tipo) passou, agora, a
obedecer e conversar com a Secretaria Municipal de Saúde e a prestar contas e discutir com
o Conselho Municipal de Saúde.
Quando os seus trabalhadores tinham que prestar assistência individual ou coletiva de
saúde, eles agora caminhavam na mesma direção, unificavam e somavam seus trabalhos.
Um centro de saúde do Estado conversava de igual com um do município e se precisasse de
uma ajuda de um serviço federal, conversava com este como sendo da mesma rede, do
mesmo comando, de acordo com o mesmo modelo.
Além disso, no comando único quem conversa e contratualiza com o serviço privado que
presta ações para o SUS é o gestor municipal, este é que passa a controlar o conjunto do
dinheiro que vem para a saúde (seja sua origem municipal, estadual ou federal) e que serve
para comprar e pagar o que for necessário para completar o sistema municipal.
Com isso, o comando único municipal passa a controlar a própria qualidade do serviço
contratado e sempre sob a vigilância do Conselho Municipal de Saúde. Para receber e
mexer com este dinheiro de vários lugares, quem está no comando único passa a ser o
gestor de uma “conta bancária” na qual todo o dinheiro da saúde tem que estar – o Fundo
Municipal de Saúde.
Isto garante que o dinheiro da saúde seja gasto em saúde e facilita o controle social sob os
modos como e com o quê o gestor gasta o dinheiro. Permite saber se todos os governos
(municipal, estadual e federal) estão cumprindo com seus deveres de receitas.
Depois de vivenciar as primeiras experiências de comando único, vale lembrar, o que
algumas delas ensinaram: que, no Brasil, há vários municípios grandes, como as capitais,
cujos serviços de saúde servem as populações de grandes regiões, muito maiores que as que
vivem no município.
Estes lugares, que são referências regionais, devem receber mais recursos para poderem
planejar o uso de muitos dos seus serviços e das suas ações, tendo em vista as populações
que precisam deles.
Deste modo, os gestores das secretarias municipais de saúde destes locais devem negociar
com os governos estaduais e federais acordos para fazerem funcionar suas redes
assistenciais, em função das várias necessidades de saúde que as populações dos
municípios vizinhos têm e que não podem ser atendidas lá onde vivem.
Estas necessidades devem ser do tipo que pedem ações de saúde e equipamentos que se
concentram em alguns lugares, como, por exemplo, cuidados hospitalares cirúrgicos de
grande e médio porte que não podem, e nem deve, ser construídos em cada um dos 5.600
municípios.
No Brasil, em torno de 100 destes 5.600 municípios têm esta função.
Os seus comandos únicos devem também fazer acordos com cada um dos comandos únicos
dos locais que servem de referência regional, planejando que tipo de necessidade e o quanto
delas vai ser atendida para resolver os problemas da população daquele lugar.
Esta aprendizagem permitiu entender que no Brasil era vantajoso definir que todos os 5.600
municípios deveriam buscar o comando único sobre a sua rede básica de assistência e
cuidado, e que alguns deles – mais ou menos uns 100 – deveriam partilhar o seu comando
único com os municípios em torno, para completarem tecnologicamente as linhas de
cuidado para as quais só a rede básica não é suficiente, e combinar diferentes tipos de
acordos conforme o que cada um necessita e resolve, gerando mesas regionais de
negociação entre os comandos únicos, para tratarem do uso de certos recursos.
Os vários Conselhos de Saúde destas regiões devem participar, também, da construção
destes acordos. E, os governos estaduais e federal devem estar comprometidos com os
mesmos, inclusive com recursos para realizálos.
Estes caminhos, onde têm acontecido, mostram ganhos na construção da saúde e avanços
na produção de modelos de atenção voltados para as necessidades de saúde dos indivíduos
e das populações.
Aprofundálos
e expandilos
é apostar em um SUS em defesa da vida individual e coletiva,
e formar uma ampla base sólida de sua sustentação no nível dos vários municípios.
Se você chegasse em um Município iria encontrar muitos serviços de saúde diferentes e estas eram por várias razões.
Uma delas, era porque os serviços de saúde serviam (e servem) para fazerem coisas distintas; por exemplo, um hospital que interna doentes é diferente de uma equipe de saúde da família. Mas, havia outro tipo de diferença, que não se devia a estes papéis tecnológicos distintos. Era a diferença entre um serviço do governo municipal de um do estadual, ou mesmo de um do governo federal. Isto é, nos municípios, você encontrava centros de saúde, hospitais, prontosocorros,
e vários outros serviços, que pertenciam a comandos separados.
Cada um seguindo um modo de trabalhar e um modelo de atenção diferente.
O Município, por exemplo, mandava no seu centro de saúde, enquanto que o Estado
mandava no seu; e assim por diante.
Como eu disse: não havia comando único.
Havia vários comandos.
Além dessas, também existia uma outra diferença. Você encontraria hospitais ou
laboratórios de exames, ambulatórios, prontosocorros,
entre outros, que não eram dos
governos, mas de donos privados, que podiam até vender serviços de saúde para o governo,
mas o comando era particular, não era nem governamental.
Por último, uma outra diferença que existia era no interior do próprio governo federal.
Alguns serviços eram de um ministério, como um hospital ligado ao Ministério da Saúde, e
outros eram de outro ministério, como um hospital do antigo INPS ou MPAS (Ministério
da Previdência e Assistência Social).
Olhando todas estas diferenças, o que você veria era que o município tinha pouca
importância no comando geral da saúde no seu território. Porém, isso incomodava algumas
pessoas ligadas a área da saúde, porque consideravam que assim os resultados das ações de
saúde não eram muito competentes.
A idéia de que é no município que a saúde e a doença ocorrem, e é ali que se constroem as
principais soluções, era uma idéia que já existia, no Brasil, há muitos anos atrás. Mesmo
que não se impusesse, ainda.
Já nos anos 1960, alguns sanitaristas a defendiam, como, por exemplo, o médico Mario
Magalhães da Silveira. Mas esta noção acabou vingando de um modo mais amplo nos anos
1970, como idéia do movimento da saúde que nasceu, no Brasil, no confronto com a
ditadura militar, na luta democrática.
Os vários participantes, e que agora não eram só alguns sanitaristas, diziam que a
construção de uma sociedade brasileira mais democrática e justa, ocorreria na medida que
se construísse a participação e o controle social dos serviços de saúde nos municípios, junto
com a fabricação do comando único municipal sobre todo o sistema de serviços de saúde
local. Inclusive com controle sobre a qualidade dos serviços privados, mesmo preservando
o comando particular dos seus donos.
Este movimento conquistou, no decorrer dos anos 1980, muitas coisas. E, em 1988, na
época da Constituinte, conseguiu consagrar estas idéias, que viraram princípios da nova
Constituição, a serem perseguidos na construção e implantação do Sistema Único de Saúde.
Mesmo com fortes oposições, estes princípios e diretrizes vêm sendo implantados.
Em alguns lugares de modo mais rápido, em outros de maneira mais lenta.
Vêm sendo perseguidos pelos vários atores sociais comprometidos com estas idéias, que
compuseram aquele movimento desde a ditadura, junto com novos atores que abraçaram a
causa do SUS.
Com o crescimento das experiências a correção destes princípios vem sendo comprovada, e
mais atores sociais vêm participando do movimento.
Construindo e experimentando o comando único e o controle social, nos municípios
A fabricação do SUS, nestes 15 anos, vem sendo uma invenção muito rica da sociedade
brasileira. É uma fabricação com ritmos diferentes nos vários lugares. Porque depende dos
tipos de atores sociais que existem dentro dos municípios e nos vários governos (local,
estadual e federal).
O SUS avançou mais naqueles lugares que tiveram governantes mais ousados e
comprometidos com os interesses de saúde das pessoas, que apostaram na organização
democrática das suas ações e que se organizaram junto com os movimentos sociais e dos
trabalhadores de saúde, dentro de uma visão do controle social.
Nestes lugares avançou também a unificação dos comandos sobre os serviços de saúde.
No começo, os serviços estaduais e federais de alguns municípios, como Belo Horizonte
nos anos 1990, passaram para a gestão da Secretaria Municipal de Saúde, que governava
junto com o Conselho Municipal de Saúde. Hoje, a quantidade de municípios nesta situação
já é muito grande, como, por exemplo, Aracaju, Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo,
Campinas, e muito mais.
Nestes locais, todos os trabalhadores públicos de saúde passaram a seguir o mesmo modelo
de cuidado. Todos os serviços de saúde ficaram subordinados ao mesmo comando e
passaram a prestar contas para os mesmos dirigentes e conselhos.
O que era serviço do Estado (fosse centro de saúde, ou pronto socorro, ou qualquer outro
municipalizado) ou do Governo Federal (fosse também de qualquer tipo) passou, agora, a
obedecer e conversar com a Secretaria Municipal de Saúde e a prestar contas e discutir com
o Conselho Municipal de Saúde.
Quando os seus trabalhadores tinham que prestar assistência individual ou coletiva de
saúde, eles agora caminhavam na mesma direção, unificavam e somavam seus trabalhos.
Um centro de saúde do Estado conversava de igual com um do município e se precisasse de
uma ajuda de um serviço federal, conversava com este como sendo da mesma rede, do
mesmo comando, de acordo com o mesmo modelo.
Além disso, no comando único quem conversa e contratualiza com o serviço privado que
presta ações para o SUS é o gestor municipal, este é que passa a controlar o conjunto do
dinheiro que vem para a saúde (seja sua origem municipal, estadual ou federal) e que serve
para comprar e pagar o que for necessário para completar o sistema municipal.
Com isso, o comando único municipal passa a controlar a própria qualidade do serviço
contratado e sempre sob a vigilância do Conselho Municipal de Saúde. Para receber e
mexer com este dinheiro de vários lugares, quem está no comando único passa a ser o
gestor de uma “conta bancária” na qual todo o dinheiro da saúde tem que estar – o Fundo
Municipal de Saúde.
Isto garante que o dinheiro da saúde seja gasto em saúde e facilita o controle social sob os
modos como e com o quê o gestor gasta o dinheiro. Permite saber se todos os governos
(municipal, estadual e federal) estão cumprindo com seus deveres de receitas.
Depois de vivenciar as primeiras experiências de comando único, vale lembrar, o que
algumas delas ensinaram: que, no Brasil, há vários municípios grandes, como as capitais,
cujos serviços de saúde servem as populações de grandes regiões, muito maiores que as que
vivem no município.
Estes lugares, que são referências regionais, devem receber mais recursos para poderem
planejar o uso de muitos dos seus serviços e das suas ações, tendo em vista as populações
que precisam deles.
Deste modo, os gestores das secretarias municipais de saúde destes locais devem negociar
com os governos estaduais e federais acordos para fazerem funcionar suas redes
assistenciais, em função das várias necessidades de saúde que as populações dos
municípios vizinhos têm e que não podem ser atendidas lá onde vivem.
Estas necessidades devem ser do tipo que pedem ações de saúde e equipamentos que se
concentram em alguns lugares, como, por exemplo, cuidados hospitalares cirúrgicos de
grande e médio porte que não podem, e nem deve, ser construídos em cada um dos 5.600
municípios.
No Brasil, em torno de 100 destes 5.600 municípios têm esta função.
Os seus comandos únicos devem também fazer acordos com cada um dos comandos únicos
dos locais que servem de referência regional, planejando que tipo de necessidade e o quanto
delas vai ser atendida para resolver os problemas da população daquele lugar.
Esta aprendizagem permitiu entender que no Brasil era vantajoso definir que todos os 5.600
municípios deveriam buscar o comando único sobre a sua rede básica de assistência e
cuidado, e que alguns deles – mais ou menos uns 100 – deveriam partilhar o seu comando
único com os municípios em torno, para completarem tecnologicamente as linhas de
cuidado para as quais só a rede básica não é suficiente, e combinar diferentes tipos de
acordos conforme o que cada um necessita e resolve, gerando mesas regionais de
negociação entre os comandos únicos, para tratarem do uso de certos recursos.
Os vários Conselhos de Saúde destas regiões devem participar, também, da construção
destes acordos. E, os governos estaduais e federal devem estar comprometidos com os
mesmos, inclusive com recursos para realizálos.
Estes caminhos, onde têm acontecido, mostram ganhos na construção da saúde e avanços
na produção de modelos de atenção voltados para as necessidades de saúde dos indivíduos
e das populações.
Aprofundálos
e expandilos
é apostar em um SUS em defesa da vida individual e coletiva,
e formar uma ampla base sólida de sua sustentação no nível dos vários municípios.
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