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quinta-feira, 21 de março de 2013

SAÚDE DE ITABUNA

Entrevista – Promotor Clodoaldo Anunciação
Em: 15/03/2013 às 17:49, Autor: Alaerte Gabriel                              



“O discurso de que tudo vai melhorar com gestão plena é uma falácia”
Promotor público combativo e profundamente ligado às questões sociais, Clodoaldo Anunciação tem olhado atentamente para a educação e a saúde públicas. Particularmente no que se refere à saúde, o membro do MP de Itabuna relata ter visitado cerca de 20 unidades do setor na cidade e constatado problemas graves. Hoje, Anunciação fala com propriedade sobre essas deficiências, que comprometem o direito de todo cidadão, garantido constitucionalmente, a um atendimento de saúde digno. Para o promotor, que organiza uma audiência para tratar do tema, a volta da gestão plena do setor, tão desejada pela administração municipal, não é a solução para todos os males da saúde.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista que o ITABUNA NOTÍCIAS fez com o integrante do MP:
ITABUNA NOTÍCIAS – O que provocou a iniciativa do Ministério Público de promover uma audiência pública sobre a saúde?
Clodoaldo Anunciação – Há algum tempo nós estamos percebendo a precariedade do serviço de saúde de Itabuna. Eu estou aqui desde 2004 e a cada ano, a situação da saúde piora. Mesmo quando ainda tínhamos a gestão plena, a cidade já vivia dificuldades graves nesse setor. Com a perda da gestão plena, a situação se agravou. A partir de um entendimento, até da própria gestão, de que a saída desses recursos impedia o bom funcionamento dos trabalhos, inclusive de áreas que tecnicamente não seriam atingidas pela falta de recursos. Quero dizer com isso que a atenção básica não estava vinculada a essa verba que vinha da gestão plena, porque o dinheiro da gestão plena vem para média e alta complexidade, para o pagamento de prestadores de serviços, normalmente hospitais. Os postos de saúde, que configuram a atenção básica, são custeados por outra linha de financiamento e também com recursos próprios do município. Desta forma, não havia motivos para que a atenção básica ficasse prejudicada.
IN – A população ficou desassistida?
CA – Na média e alta complexidade, não se pode dizer tecnicamente que houve uma desassistência, porque o estado assumiu os recursos, continuou remunerando os prestadores de serviços, e não havia, dentro dessa lógica, motivos para que a situação das cidades piorasse tanto ao longo do tempo. Caminhando nessa linha de pensamento, nós vamos encontrar, por exemplo, a questão da dengue. Há vários anos Itabuna está no ranking das cidades com maior potencial de epidemia de dengue. Tecnicamente, nós já estamos vivendo uma nova epidemia, dado o número de casos registrados.
IN – Há risco de ocorrer o que a cidade enfrentou em 2009, quando nove pessoas morreram de dengue?
CA – Nós não estamos tendo ainda uma epidemia de grandes proporções ou de impacto, como foi a de 2009, mas já estamos dentro da epidemia. Mas, nesse aspecto inicial da dengue, o que mais nos incomoda e inquieta é o fato de que as autoridades de saúde municipais, estaduais e até federais não conseguem desenvolver um plano de trabalho eficaz para diminuir a infestação, tampouco dar uma assistência adequada ao cidadão. Os entes federativos não conseguem se entender. Até o final do ano passado nós não tínhamos aqui na região estoques estratégicos (soro, maca, cadeiras para hidratação). Até o momento não se tem notícia de articulação com as forças armadas para reforçar o atendimento à população em caso de epidemia, e isso é muito grave. Também não foi apresentado um plano de contingência para a dengue. Já estamos em março, são três meses da nova gestão e esse plano ainda não foi apresentado. Isso quer dizer que se for apresentado agora  isso será feito já em meio à epidemia, o que não é bom. É como se soubéssemos que iríamos ter enfrentar uma tempestade e não tivéssemos sequer providenciado uma capa ou guarda-chuva.
  IN – Quais as causas dessa incapacidade de enfrentar a dengue?
CA – Apesar de haver cada vez mais investimentos em qualificação e tecnologia, os entes públicos não conseguem vencer esse desafio de planejar uma atividade que reduza os índices de infestação na cidade.  Por outro lado, uma vez instalada a epidemia se possa dar uma assistência adequada ao cidadão. Ninguém precisaria morrer de dengue, porque dengue não é inicialmente uma patologia letal, mas se torna letal a partir do momento que os cuidados necessários não são oferecidos ao paciente em tempo hábil. Na problemática da dengue, acredito que está havendo uma deficiência grave de gestão. Em algum momento, falta  vontade política para  resolver a questão independentemente de bandeira partidária. Há também o fato do poder público estimular a vinculação dos problemas de infestação pelo mosquito da dengue a uma suposta falta de cuidado da população pobre. No entanto, existem também inúmeras casas com piscinas mal cuidadas que são focos da dengue. Tais negligências e  preconceitos dificultam  todo o trabalho
 
IN – Questões político-partidárias influenciaram essa deficiência?
CA – As divergências ideológicas e partidárias existem sim. O indivíduo aceita ocupar o cargo, recebe o status do cargo, não abre mão do salário do cargo, está lá para resolver aquilo a que se propôs, seja num cargo de secretário, de coordenador, de diretor de saúde, de médico, e de repente ele começa a ter um discurso de “reclamador geral”, sempre culpando aos outros pelos problemas. E também é fato que essas divisões têm prejudicado a população, principalmente a mais pobre, que não tem condições de procurar outro meio de tratamento, como as instituições particulares. Há pessoas nos cargos decisórios da saúde nas varias esferas que não estão atentas ao princípio da dignidade humana. Os cidadãos que pagam seus impostos, não estão tendo garantidos os seus direitos. A comunidade precisa se indignar e cobrar dentro da lei pela falta de humanidade dessas pessoas que estão à frente de determinados cargos. É a oportunidade, por exemplo, para que o combativo Conselho de Saúde, que também se preocupa com a saúde exponha o seu posicionamento em relação à porque muitos questionam a isenção do Conselho de Saúde, ao especular que ele segue alguma tendência partidária.
IN – Como é possível reverter esse quadro?
CA – Atualmente e infelizmente nós não cuidamos da saúde. Nós cuidamos da doença. Ou seja, não há prevenção do diabetes, dos riscos cardíacos, da obesidade e de outras patologias de grande incidência. Não há prevenção para que a pessoa não adoeça, não há um cuidado especial com os idosos e as crianças para que eles tenham saúde. O pior é que as pessoas que adoecem enfrentam uma atenção básica sucateada e sem resolutividade, o que as obriga a procurar a média e alta complexidade, que são os hospitais em regra. Isso faz com que os hospitais fiquem superlotados por demandas que seriam de resolutividade ambulatorial. A única prejudicada nesse círculo vicioso é a população. Embora em alguns casos exista uma boa qualificação dos profissionais envolvidos, isso não tem se refletido em uma melhoria efetiva. A saúde de Itabuna nesse estado é um fracasso de todos nós.
IN – Faltam projetos?
CA – Com tantas demandas é preciso ter um projeto em mãos para resolvê-los. Ninguém melhora tudo o tempo todo, mas o que não podemos admitir é o retrocesso. Hoje nós temos postos de saúde fechados, pessoas amanhecendo na porta do prédio onde funciona a Regulação, outras que não conseguem fazer exames, sem que tenhamos conhecimento de um plano de ação com metas, prazos, previsão de recursos e resultados a serem alcançados a curto, médio ou longo prazo. Um bom exemplo da falhas na gestão foi um TAC entre a Sesab, o Ministério Público e a Santa Casa que previa a realização de centenas de exames em várias especialidades, desde maio de 2012, porém a Santa Casa informa ter recebido pouquíssimos pedidos  de exames.
IN – Como os prestadores de serviço de saúde da cidade estarão envolvidos nessa audiência do Ministério Público?
CA – São muitos prestadores de serviço, e alguns reclamam do tratamento que estão recebendo por parte do estado e por parte do município, pelo fato de montarem estruturas que poderiam ser mais bem aproveitadas pela comunidade, mas que, devido ao conflito de vários interesses, acabam não chegando a essa finalidade. É hora então dessas entidades também virem a público dizer o que de fato está acontecendo. Independentemente de qualquer governo que esteja no poder, o princípio da humanidade é o que deve ser levado em consideração.
IN – A Santa Casa de Itabuna é hoje um complexo hospitalar com três unidades e atendimento exclusivo para o SUS em uma delas. Qual a importância dessa instituição para a cidade, dentro do contexto que nós estamos analisando?
CA – Ninguém pode negar a contribuição da Santa Casa para a saúde. Nós não podemos esquecer toda uma história e às vezes querem denegrir a imagem de uma instituição que tem quase cem anos prestando serviços relevantes a Itabuna e região. A mesma coisa se aplica a outras instituições, como o Cemepi, a Maternidade da Mãe Pobre, o próprio Hospital de Base. Não se pode, com base nos impactos da dificuldade do momento, desconstruir a história. Há bons profissionais e um histórico de bom desempenho, o que falta é gestão. O Ministério Público só está entrando em ação porque o administrativo não vem cumprindo seu papel. O Ministério Público é um dos bastiões da sociedade. O desejo é de que houvesse o atendimento adequado à população para que não fosse necessária a intervenção do Ministério Público a todo o momento. Felizmente, estamos tendo o apoio do Poder Judiciário para que possamos garantir o mínimo necessário e resolver muitas questões na saúde.
IN – Uma das reivindicações do Hospital São Lucas, que também faz parte do complexo da Santa Casa, é a instalação de uma unidade de pronto atendimento, que foi até prometida pelo governo do estado nas eleições, para desafogar a emergência daquele hospital, que inclusive está com falta de médico. Qual a visão do Ministério Público com relação às UPAs?
CA – A UPA é um equipamento importantíssimo para que seja possível desafogar os hospitais e dar atendimento de qualidade para a população. Ela seria construída em um local estratégico no bairro Jaçanã, e já deveria estar pronta há três anos. Nós estamos ao lado da população. A UPA já deveria ter sido construída; há informações de que parte da verba já chegou e a UPA não saiu do lugar. O terreno está lá e não há indício nenhum de construção. A falta da UPA também vai ser discutida na assembléia, e a gente vai esperar que o estado nos diga em que estágio está a proposta de construção da UPA de Itabuna. A Secretaria Municipal precisa nos dizer por que não reivindica...
IN – Atitudes como esta de tentar transferir a responsabilidade, no caso da dengue, para a população pobre, não indica que a saúde tem sido tratada de maneira pouco técnica?
CA – A saúde, em Itabuna, está na pauta de qualquer discurso político-partidário. Poucos são os que se preocupam de fato com a melhoria da saúde, mas existem casos de cidades nas quais a saúde funciona razoavelmente bem. O problema é que o sistema aqui tende a corromper ou desestimular servidores que chegam com vontade de trabalhar e de fazer o certo. Se não houver cuidado, com o tempo ele passa a agir com protecionismo, clientelismo atendendo primeiro os eleitores  ligados a  determinado  político ou partido   por exemplo. E isso vira uma troca de favores, o que compromete o atendimento dos demais cidadãos, com iguais direitos. A população de Itabuna está sendo humilhada a cada dia com esses abusos, e permanece passiva sem reivindicar os próprios direitos.
 IN – O Ministério Público concorda com o retorno da gestão plena ao município?
CA – Não posso responder por todos os colegas, mas do ponto de vista da Promotoria de Saúde que titularizo e nas atuais condições, não. Com efeito, Itabuna não tem a menor condição de voltar à plena porque não demonstra ter sistema eficaz de gerenciamento de recursos, controle sobre funcionários, controle sobre os recursos que chegam, nem sobre sem emprego. Esse discurso de que tudo vai melhorar com a vinda da plena é uma falácia, e a população precisa estar ciente disso. É importante que se diga que esta não é só uma questão do gestor ou do governo e sim de toda a sociedade.
IN – Há alguns anos o senhor assumiu a “paternidade”, por assim dizer, da educação em Itabuna, que também estava desandando. O senhor pretende fazer a mesma coisa com a saúde a partir desta audiência pública?
CA – O programa envolve saúde e educação e visitamos escolas e postos de saúde. Por isso mesmo, muito do conhecimento que eu tenho da atual realidade vem desse trabalho. Eu já visitei mais de 20 postos de saúde aqui na cidade, e talvez nem mesmo alguns secretários de saúde não tinham ciência da situação dos mesmos. A gente espera discutir na audiência a questão também da segurança das escolas e postos de saúde.
IN – Quais são os parceiros do Ministério Público nesta audiência?
CA – Nós temos uma boa relação com todas essas entidades. Quando nós convocamos uma audiência pública, nós queremos contar com a ACI, com as lojas maçônicas, com o Lions, com a Santa Casa, com o Cemepi, a Maternidade, a Polícia Militar e a imprensa, principalmente, que é um dos nossos principais aliados. Quando se tem uma imprensa livre e séria, ela é nossa aliada. O Cremeb e as entidades médicas participarão também. Tivemos também a confirmação da participação da SESAB.
IN – Qual será o resultado prático dessa audiência pública?
CA – É uma audiência regulamentada, então tudo o que for debatido irá constar em ata. Eu tenho alguns procedimentos dessas áreas, por exemplo, do atendimento psiquiátrico, da dengue, da UPA, dos exames, dos medicamentos, então, em todos esses procedimentos eu vou instruir aos outros com essas informações. É um meio de ter o termômetro da comunidade para formar um parâmetro e juntar como prova do processo até para o judiciário.
IN – Haverá espaço para as defesas dos governos?
CA – Não se trata necessariamente de um julgamento dos órgãos governamentais. Essa será a oportunidade de falar não só de problemas, mas de o governo também mostrar à população pontos que talvez ela esteja vendo por outro ângulo e evidentemente também realizações. O objetivo desta audiência é que sejam apresentados projetos que consigam resolver alguns dos problemas.
 
IN – O que o senhor recomenda para que esta audiência seja bem sucedida?
CA – Àquelas pessoas que tenham interesse pela saúde de Itabuna de maneira séria, sem politicagem, que queiram debater, e as entidades, principalmente, que têm atuação importante na questão do câncer, dos diabéticos, dos deficientes, que eles possam ver nessa audiência uma maneira de expor as suas ideias. A audiência pública não é a solução de tudo no mundo, mas é um expediente do Ministério Público para democratizar a informação e, a partir daí, tomar as providências necessárias. É importante dizer que não vai ser admitido nenhum tipo de tumulto, baderna ou constrangimento na audiência. Mesmo que um cidadão tenha uma crítica dura a fazer, que esta seja feita de forma respeitosa e com o intuito de contribuir para a melhoria.  Esperamos que a União de todos consiga trazer o alento e soluções para muitas das questões levantadas.
OLHOS:
“Não há um plano de contingência para a dengue. Já estamos em março, são três meses da nova gestão e esse plano ainda não foi apresentado”.
“O indivíduo aceita ocupar o cargo, recebe o status do cargo, não abre mão do salário do cargo, está lá para resolver aquilo que ele se propôs, seja num cargo de secretário, de coordenador, de diretor de saúde, de médico, prefeito, governador, promotor, presidente, enfim, e de repente ele começa a ter um discurso de “reclamador geral”, sempre culpando aos outros pelos problemas”.
“Há pessoas nos cargos decisórios da saúde que não estão atentas ao princípio da dignidade humana”.
“Há também o fato do poder público estimular a vinculação dos problemas de infestação à falta de cuidado com a água parada da população pobre. No entanto, existem também inúmeras casas com piscinas mal cuidadas que são focos da dengue”.

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