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sábado, 5 de março de 2016

REVISTA EPOCA


Delcidio do Amaral. (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)


No ano passado, caminhando pelos corredores do Senado, o senador Delcídio do Amaral, petista de Mato Grosso do Sul, gabava-se: “Eu sou um dos caras daqui que mais falam com o Lula. Falo com ele toda semana”. Sempre que ia a Brasília, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva marcava um encontro com Delcídio – costumava, inclusive, hospedar-se no mesmo hotel onde o senador mora. Talvez por isso, em abril do ano passado, quando seu segundo mandato já estava ameaçado, a presidente Dilma Rousseff escolheu Delcídio para o espinhoso cargo de líder do governo no Senado. Delcídio, que Dilma conhece há mais de duas décadas, tornara-se um dos principais – e únicos – contatos da presidente no PT e no Congresso. Em um palácio onde a política é intrusa, Delcídio era dos poucos frequentadores a tratar do tema com Dilma cotidianamente. No ano passado, o senador alertou Dilma dos perigos de manter um relacionamento gelado com Lula. Foi ele também quem chamou a atenção da presidente para os maus-tratos dispensados por ela ao vice-presidente, Michel Temer. Nas reuniões semanais com seus ministros mais próximos, Dilma repetia um gesto que diz muito de sua deferência ao talento político de seu ex-líder: ao final, quando todos saíam, ela pedia para apenas Delcídio permanecer.

Entenda o caso

Na semana passada, Delcídio machucou o PT como poucos, justamente por sua posição privilegiada de interlocutor das duas maiores autoridades do partido. Só ele poderia contar certas coisas. E, de acordo com a revista IstoÉ, Delcídio contou para os maiores inimigos do PT no momento – os procuradores que atuam na Operação Lava Jato, aquela que começou como uma investigação de desvios na Petrobras e se transformou na maior iniciativa de combate à corrupção endêmica que une governo, Congresso e empresas. De acordo com a revista, Delcídio falou após um acordo de delação premiada fechado com os procuradores, mas ainda não homologado pelo ministro Teori Zavascki, responsável no Supremo Tribunal Federal pelos processos da operação. O apavoramento foi manifesto. Diferentemente do que temiam os senadores, Delcídio mirou no Palácio do Planalto. Acusou, segundo a revista, a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de, entre outras coisas, tentar interferir no andamento das investigações da Lava Jato (leia mais na página 44) para proteger empreiteiros acusados de crimes e amigos na mesma situação, como o pecuarista José Carlos Bumlai.

Exatos 13 dias (sim, 13) antes começou a flanar por Brasília o espectro do Delcídio delator. Era uma ameaça que aterrorizava políticos de todas as cores. Em 19 de fevereiro, Delcídio foi libertado. Desde novembro, ele estava preso em um quartel em Brasília, depois que uma gravação mostrou sua proposta de dar fuga e pagar uma mesada de R$ 50 mil ao ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, caso ele fosse libertado. Cerveró continua preso. Delcídio foi preso, acusado de tentar atrapalhar as investigações. Passou ao regime domiciliar. Doze quilos mais magro, mal havia tomado o banho redentor dos ex-detentos, já começavam a vazar notícias de que, nos bastidores, Delcídio ameaçava colegas. Eram coisas sutis, como “se me cassarem, levo metade do Senado comigo”. Na dúvida, o presidente do Senado, Renan Calheiros, craque político que é, chamou truco: “É hora de o Senado ouvi-lo e saber o que ele tem a dizer”. Delcídio refugou, evanesceu-se. Pediu uma licença médica de 15 dias e, na semana passada, esteve em São Paulo sob o pretexto de realizar exames médicos. Mas, na quinta-feira, o fantasma do delator se materializou.

As reações figadais dos petistas dão uma medida do incômodo causado por Delcídio. A presidente Dilma Rousseff condenou “o uso abusivo de vazamentos como arma política”. Mandou que seu ex-ministro da Justiça e agora advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, rebatesse o que foi chamado de “suposta” delação. “É vingança”, foi o melhor argumento que Cardozo pôde usar. No raciocínio dele, Delcídio quis a desforra por não ter sido ajudado por Dilma e pelo PT enquanto esteve preso. O temor pela aparição de Delcídio sempre foi o potencial de destruição que um dos senadores mais bem relacionados de Brasília poderia causar. Nos dois anos de Lava Jato, alguns delatores são emblemáticos. Paulo Roberto Costa é um marco por ter sido o primeiro a colaborar; Ricardo Pessôa envolveu a campanha de Dilma; Fernando Baiano envolveu o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e Bumlai, o amigo de Lula; Pedro Barusco entregou 11 operadores de pagamento de propina, que levaram ao marqueteiro João Santana e a encrencas internacionais para a Petrobras. Delcídio mostrou ser capaz de jogar Dilma da periferia para o meio da Lava Jato; mostrou que tem conhecimento suficiente para tirar Lula da posição de suspeito de ser beneficiário das empreiteiras, com um sítio e um apartamento, para a de alguém que tentou interferir no processo para proteger um amigo.

A raiva petista destilada contra Delcídio, o “Fagundes do Pantanal”, referência irônica a sua semelhança com o galã de telenovela, vem de longe. Apesar do crédito com Lula e Dilma, Delcídio sempre foi visto com desconfiança no PT. Ele serviu ao PSDB, como diretor de Gás e Energia na Petrobras na gestão de Fernando Henrique Cardoso. Aderiu ao PT para se eleger senador em 2002. A atuação como presidente da CPI dos Correios, a que desvendou o escândalo do mensalão, não ajudou em sua popularidade entre os correligionários. Em 2014, quando tentou eleger-se governador de Mato Grosso do Sul, Delcídio escondeu a estrela vermelha como pôde. Mesmo assim, conquistou Dilma e foi decisivo para a aprovação das medidas do ajuste fiscal. Em março, aproximou o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, dos aliados no Senado. Um de seus movimentos mais importantes foi reaproximar o PMDB do governo. Foi ele quem organizou um almoço na residência oficial de Renan Calheiros, em maio, com o presidente Lula e a cúpula do PMDB. A relação se apaziguou por um tempo. Foi assim que o governo conseguiu que o Senado mantivesse os vetos da presidente Dilma às medidas da chamada “pauta-bomba”, que aumentariam os gastos do governo em R$ 64 bilhões.

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