História dos Concílios Gerais da
Igreja
Há muitas maneiras de estudar a
História da Igreja Católica, é uma delas é olhar as decisões conciliares nestes
dois milênios da Igreja. Um Concílio Geral consiste numa reunião formal de representantes
da Igreja, junto com o Papa (mas nem sempre), para tomar decisões dogmáticas e
pastorais, que possam ajudar no crescimento da Igreja, na eliminação dos erros
e na difusão das verdades da fé. Em dois mil anos de existência, a Igreja
reconhece 21 Concílios Gerais e ainda acrescenta o chamado “Concílio de
Jerusalém”, reunião narrada nos Atos dos Apóstolos (At 15,1-40), como parte da
Tradição da Igreja e dos seus ensinamentos. Não há nenhuma regra para que um
Papa convoque um Concílio, ou seja, a constituição de um Concílio geralmente
nasce de uma necessidade eclesial ou do desejo do Papa em solucionar certas
crises na Igreja.
Pedagogicamente podemos dividir
os 21 Concílios Gerais da Igreja em quatro períodos. Os Concílios ficaram
conhecidos pelos nomes das cidades onde o Papa, bispos e outros representantes
da Igreja se reuniam para discutir os assuntos de fé e doutrina.
1. Concílios do Primeiro Milênio:
Niceia I (325), Constantinopla I (381), Éfeso (431), Calcedônia (451),
Constantinopla II (553), Constantinopla III (680-681), Niceia II (787),
Constantinopla IV (869-870).
2. Concílios Medievais: Latrão I
(1123), Latrão II (1139), Latrão III (1179), Latrão IV (1215), Lyon I (1245),
Lyon II (1274), Vienne (1311-1312).
3. Concílios da Reforma:
Constança (1414-1418), Basileia-Ferrara-Florença-Roma (1431-1445), Latrão V
(1512-1517), Trento (1545-1548/1551-1552/1562-1563).
4.Concílios da Idade Moderna:
Vaticano I (1869-1870), Vaticano II (1962-1965). Vamos falar um pouquinho sobre
cada um deles. Não é nosso objetivo aqui descrever detalhadamente cada um
desses concílios, mas apenas ilustrar alguns fatos ocorridos em cada um deles.
Para maiores informações, no final, oferecemos uma bibliografia sobre o
assunto.
1. Concílios do Primeiro Milênio:
a Igreja Católica reconhece oito Concílios Gerais desse período. Os seis
primeiros estão ligados entre si, uma vez que os assuntos de um se arrastavam
para o outro. Eles trataram de assuntos de ordem doutrinal e teológica, na
definição das grandes verdades da fé, como a divindade e humanidade de Jesus, o
mistério da Trindade, a relação de Maria e Jesus. Os outros dois trataram de
assuntos distintos, como o culto aos santos (Niceia II) e a estrutura da
interna da Igreja (Constantinopla IV).
a) Niceia I: o assunto central
desse concílio foi combater a heresia do Arianismo, que pregava a humanidade de
Jesus e quase desconsiderava sua divindade. Foi convocado pelo Imperador
Constantino e o Papa Silvestre I nem compareceu, mas mandou dois delegados.
Havia grande problema com definições dogmáticas por causa da língua (grega e
latim) e a questão do Arianismo, ainda que considerada herética, não foi
resolvida e ainda levantou outras perguntas referentes a natureza de Jesus e da
Santíssima Trindade.
b) Constantinopla I: foi
convocado pelo imperador Teodósio. O texto original desse concílio se perdeu no
tempo. Houve discussão sobre o arianismo e novamente foi escrito um credo
cristão (niceno-constantinopolitano), colocando o Espírito Santo no mesmo patamar
do Pai e do Filho. O papa Dâmaso não compareceu nem mandou delegados do
ocidente cristão, mas ainda assim este concílio é considerado legítimo e parte
da história da Igreja.
c) Éfeso: continuam as discussões
cristológicas, sobre a natureza e vontade de Jesus Cristo. Também surge a
questão relacionada com Maria e o Nestorianismo, que negava a maternidade
divina da mãe de Jesus. O papa Celestino delegou Cirilo para representá-lo e a
tese que venceu foi que Maria era também Mãe de Deus - “Theotokos” - ou seja, a
unidade de Jesus foi garantida. Também foi decidido que nenhuma mudança no
Credo Católico poderia ser feita posteriormente.
d) Calcedônia: este concílio
reuniu-se para tentar ainda dizimar dúvidas que surgiram na doutrina sobre
Jesus e a Santíssima Trindade. Foi um momento conturbado, no qual o papa Leão I
apresentou um documento que resumia as principais doutrinas da Igreja até
então. A principal decisão desse encontro foi a afirmação já feita
anteriormente que Jesus é uma pessoa com duas naturezas distintas, humana e
divina. Também reafirmou-se o Credo Niceno-Constantinopolitano. O papa Gregório
I irá dizer mais tarde que estes primeiros quatro Concílios deveriam ter o
mesmo prestígio dos Evangelhos pois são a coluna da fé católica.
e) Constantinopla II: convocado
pelo Imperador Justiniano, este concílio foi conturbado e politicamente
complicado. Havia ainda ranços heréticos do nestorianismo e do monofisismo para
serem descartados. O papa Vígilio não compareceu, por que ele mesmo, extraoficialmente,
parecia ser adepto da heresia do monofisismo. Acuado pelo imperador, o papa
precisou voltar atrás e ceder em suas posições heréticas.
f) Constantinopla III: pode
parecer absurdo, mas o centro desse concílio foi a vontade de Jesus: ele tinha
vontade humana ou divina? A heresia do monotelismo, que afirmava que Jesus
fundia em si as duas vontades foi derrotada. Assinado pelo Papa Agatão, este
concílio fortaleceu ainda mais a tradição doutrinal que vinha sendo construída
desde Niceia I.
g) Niceia II: passado o período
crítico das heresias, o concílio de Niceia II abordou uma questão litúrgica
prática: a veneração dos ícones e imagens dos santos e de Maria, situação
conhecida com Iconoclastia. O papa Adriano I defendeu o uso das imagens como
forma “artística” para ajudar na difusão do evangelho e de seus valores. Também
foi aprovada a veneração de relíquias nas Igrejas.
h) Constantinopla IV: momento
conturbado, este concílio foi mais político que eclesial ao colocar como
questão de fundo o verdadeiro patriarca de Constantinopla, Fócio ou Inácio. As
disputas foram acirradas e até hoje este concílio é considerado o mais
irrelevante da história.
2. Concílios Medievais: o poder do papado
atingiu seu auge na Idade Média e os concílios desse período foram dedicados à
organização da Igreja e ao controle de suas estruturas internas. Os documentos
conciliares são aprovados exclusivamente pelo Papa, que passa a convocar e
coordenar os trabalhos com pulso de ferro. Uma linguagem legalista e menos teológica
invade os documentos conciliares e reafirma uma monarquia papal. O conjunto
desses sete concílios pode ser visto dentro de um único conjunto de
fortalecimento da hierarquia eclesiástica.
a) Latrão I: Latrão era a
residência do Papa em Roma. Nessa residência acontecerão quatro concílios,
todos reafirmando o poder papal na Igreja. O papa Calisto II impôs um ritmo
formal ao encontro, que decidiu sobre as “investiduras”, ou seja, a nomeação de
cargos eclesiásticos por leigos. Outro assunto foram as cruzadas à Terra Santa,
que entrariam na pauta nos próximos concílios.
b) Latrão II: sem muita novidade,
este concílio simplesmente reforçava a autoridade papal sobre a vida da Igreja
local pelo mundo afora. A readmissão e o castigo aos heréticos entraram em
pauta e este concílio começou a descrever com detalhes como deveriam ser
tratados os infiéis. Foi convocado por Inocêncio II.
c) Latrão III: contou com um
participação inédita em termos de concílio, conseguindo reunir participantes de
quase todas as partes da Europa e delegados orientais. A afirmação da unidade
papal foi discutida pois haviam cisma na Igreja e presença de antipapas. Neste
concílio definiu-se as primeiras regras para a eleição papal a partir do
colégio dos cardeais. Este concílio condenou os heréticos Cátaros e reafirmou
suspensão de penitências para que se dispusesse a ajudar nas Cruzadas.
d) Latrão IV: concílios cada vez
mais esplendorosos tomavam conta da Igreja e nesse encontro mais de 400
representantes de igrejas locais compareceram, além de mais de oitocentos
representantes de instituições religiosas diversas. Neste concílio temos um
“instantâneo” da Idade Média, descrito nos seus documentos e decisões. Houve
grande discussão sobre penas aos heréticos e como investigar heresias entre as
pessoas. Este concílio convocou mais uma Cruzada à Terra Santa e definiu
relações entre cristãos, judeus e muçulmanos. Foi usada a palavra
“transubstanciação” para falar do mistério eucarístico e estabelecido o dever
de comungar ao menos na Páscoa de cada ano.
e) Lyon I: o objetivo desse
concílio era político, derrubar o imperador Frederico II, acusado de heresia.
Na verdade o papa Inocêncio IV não admitia o sucesso de negociações que
Frederico havia conseguido com os muçulmanos. Este concílio se preocupou com o
financiamento das Cruzadas e prometeu indulgências aos ricos que doassem
dinheiro para as incursões da igreja no Oriente.
f) Lyon II: conduzido pelo Papa
Gregório X, este concílio trabalhou com material trazido pelos bispos de suas
dioceses de origem. Novas regras da eleição papal foram definidas. A unificação
da Igreja Ocidental e Oriental esteve na pauta, com a retomada da questão do
“filioque” (doutrina que afirma que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho
e que é rejeitada pelo Oriente Cristão). A primazia de Roma sobre os
patriarcado Orientais também foi pauta, mas sem solução clara. Outra conquista
de Lyon II foi a definição do Conclave para a eleição do Papa.
g) Vienne: reunido num período em
que o papado residiu em Avinhão (na França) este concílio teve forte influência
secular. O rei francês Filipe queria que o atual papa, Clemente V, excomungasse
seu antecessor, Bonifácio, por heresia, pois este tinha contrariado o rei
francês com relação à Ordem dos Templários, ricos cavaleiros medievais.
Clemente aparentemente cede, mas não passa os bens dos Templários para o rei
francês e ainda faz um elogio a Bonifácio no concílio. Também houve a
condenação do movimento das beguinas, uma espécie de vida religiosa paralela na
Igreja. Este concílio também decidiu pelo ensino de idiomas clássicos e quase
extintos nas universidades cristãs, para melhorar o estudo da Bíblia Sagrada.
3. Concílios da Reforma: A Alta
Idade Média trouxe o maior desafio para a fé católica, o surgimento de
conflitos sobre a autoridade papal e o começo do movimento protestante. Nesse
período temos quatro concílios, entre eles o concílio de Trento, talvez o mais
importante para a Igreja em todos os tempos. Uns dos temas mais discutidos
nesse período foi o próprio poder dos concílios e se estes tinham autoridade
maior do que o Papa. Esta questão foi chamada de Conciliarismo.
a) Constança: tinha como tarefa
unir a Igreja do Ocidente, que se encontrava numa posição tão frágil que havia
três papas ao mesmo tempo, cada um deles afirmando-se o legítimo sucessor de
Pedro. Convocado pelo Papa João XXIII (este será deposto e considerado
ilegítimo, e seu nome será depois assumido no século XX por outro papa, aquele
que irá convocar o Vaticano II), o Concílio tinha que enfrentar o cisma para
evitar que a Igreja se fragmentasse ainda mais. Este concílio trará as teses
conciliaristas á tona, alegando que o próprio Papa é sujeito ao Concílio.
Constança ainda declarou heréticas as ideias de Jan Hus, reformador sueco, e o
condenou a morte. Este conturbado Concílio destituiu ainda os outros dois
pretensos papas e elegeu, com cuidado, Martinho V. A última decisão conciliar
foi aprovar a reunião da igreja em concílios a cada cinco anos.
b) Basileia-Ferrara-Florença-Roma:
foi o papa Eugenio IV que convocou o concílio em Basileia, mas depois de um ano
tentou suprimi-lo. Entretanto, os bispo conciliares pressionaram o papa e ele
voltou atrás, acirrando a questão do poder do Concílio versus o poder papal. A
discussão passou pela relação entre a Igreja do Ocidente e Oriente. Para
resolver esta questão, Papa sugeriu a mudança do concílio para Ferrara e depois
para Florença. Alguns bispos permaneceram na Basileia, e foram excomungados
pelo papa. Em Florença a discussão com a Igreja Oriental abordou questões
litúrgicas e a antiga questão do “filioque”. Estas questões somente
aparentemente foram resolvidas, mas pouco tempo depois tudo voltou a ser como
antes e o cisma permaneceu. O papa ainda transferiu o concílio para Roma onde o
encerrou depois de alguns anos de turbulência. Se Constança viu a vitória do
conciliarismo, em Basileia a força do papado centralizador voltou a ser
hegemônica.
c) Latrão V: Julio II, o papa
guerreiro, reuniu-se em Latrão no começo do século XVI para reafirmar a força
do papado. Seu sucessor, Leão X. continuou o concílio com o ataque direto e
duro contra as teses conciliaristas, afirmando que o concílio só existe com a
presença e confirmação do Papa. Assuntos de disciplina eclesiástica também
entraram na pauta, mas estes seriam mesmo enfrentados no próximo concílio, o de
Trento. Latrão V entra na história como o concílio que levantou sérios
problemas mas que não os enfrentou. Esta lacuna será fatídica, pois dela brota
as críticas protestantes, sobretudo nas teses de Martinho Lutero. Neste
Concílio, pela primeira vez, um bispo do “novo mundo”, da América, participou
das discussões.
d) Trento: este é talvez o
concílio mais falado, conhecido e questionado até hoje. Por mais de 300 anos as
decisões de Trento moldaram a fé católica ao redor do mundo. Trento nasce de um
momento de fraqueza da Igreja, pretende responder ao crescimento protestante e
acaba por afirmar uma eclesiologia centralizada e centralizadora. Foram temas
de Trento os grandes alicerces da Igreja: hierarquia, sacramentos, Tradição e
Escrituras, costumes, devoções, formação intelectual do clero, poder papal,
etc. Ao mesmo tempo em que defendia a Igreja naquele momento, Trento lançou as
bases do que seria o catolicismo até o século XX. Suas decisões práticas
ajudaram a reorganizar o modo de ser da Igreja, mas ao mesmo tempo, suas
decisões não acompanharam o movimento da sociedade e a Igreja foi ficando a
margem da História.
4.Concílios da Idade Moderna:
entre os 306 anos que separam Trento do Vaticano I o mundo mudou muito e a
Igreja ficou isolada em si mesma. Ideias iluministas, Revolução Industrial,
mudanças políticas no mundo, tudo foi acontecendo ligeiramente e a Igreja vendo
tudo da sacristia, alheia a realidade. A Igreja parecia ter medo do mundo.
a) Vaticano I: convocado pelo
papa Pio IX teve como principal objetivo, num mundo marcado pela mudança e
democratização das instituições, definir a infalibilidade papal. A Igreja sentia-se
pressionada por dois grupos, um mais reacionário e outro mais aberto ao novo.
Foram mais de 750 delegados neste concílio, reunidos agora dentro da Basilica
de São Pedro em Roma. Os meios de comunicação, sobretudo o telégrafo,
possibilitaram um alcance maior das notícias conciliares pelo mundo afora. O
auge desse concílio foram as discussões para se chegar a definição que o papa
tem “infalibilidade na sua autoridade doutrinária”, ou seja, a pessoa do papa
não é infalível, mas somente as suas declarações feitas da cátedra de Pedro em
questões de fé e de moralidade.
b) Vaticano II: o último e mais
recente concílio geral da Igreja nasceu do espanto de todos. O velho papa de
transição João XXIII, já com 77 anos, resolveu “arejar” a Igreja e provocou a maior
revolução que a Igreja já conheceu na sua história. Isolada do mundo, a Igreja,
pelo
Vaticano II, se viu obrigada a
reorganizar sua vida e recuperar o diálogo com a sociedade circundante. Uma
questão chave esteve presente no concílio: qual a relação entre o papa e o
colégio dos bispos? E qual o papel dos leigos na Igreja? E qual a relação entre
a Igreja e o mundo secular? Nos seus três anos de trabalho, o Concílio, aberto
por João XXIII e concluído por Paulo VI, revolucionou o modo como a Igreja se via
e como ela via o mundo. Passado cinquenta anos de história, conquistas do
concílio já foram alicerçadas, como a liturgia em língua vernácula, outras
parecem retroceder, como a centralização das decisões em Roma. De qualquer
forma, ainda temos muito que aprender com as decisões conciliares do Vaticano
II, um concílio profundamente pastoral e inovador.
Resumo do texto: História dos 21 Concílios da
Igreja – de Niceia ao Vaticano II Christopher M. Bellito Edições Loyola, 2010.
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